15/04/2014

O tão falado Sistema de Saúde Canadense 2

Navegando pelo sistema de Ontário


Como eu comecei no post anterior, vou falar sobre como entender e navegar pelo sistema de saúde pública de Ontário. 
Sobre o que está coberto ou não e o sistema de saúde privado eu falei naquele post.

-----

Para ser atendido no sistema de saúde é preciso primeiramente tirar o Ontario Health Card. Para isso é necessário ser residente na província por três meses consecutivos. Após o período, você deve se dirigir a um Service Ontario Centre que é o centro de serviços responsável pela emissão não só do cartão de saúde, como da carteira de identidade, motorista, licenças várias e afins. Há uma lista de documentos e como tirar o cartão aqui. Você pode usar um localizador para achar um desses centros mais próximo a você




Uma vez com esse cartão na mão, você pode ir diretamente em qualquer walk in clinic, ou clinicas de pronto-atendimento (aqui uma lista das melhores de Toronto, ser atendido por uma ambulância ou ver seu médico de família.

Antes de conseguir o cartão, é importante ter um seguro de viagem que te cubra pelos três meses em que você está descoberto. Há uma lei que diz que estamos todos cobertos, mesmo quem está ilegal, mas como falei no outro post, há controvérsias.

----
Médico de família e especialistas

Com a excessão das especialidades sem cobertura e para as quais você pode se dirigir directamente, no Canadá qualquer especialista que seja necessário ver deve ser indicado, primeiramente, pelo seu médico de família (sempre bom lembrar: qualquer família). É um sistema muito diferente dos sistemas em outros lugares do mundo o que causa muita confusão nos recém-chegados

O primeiro passo é achar seu médicoEsse processo pode ser longo e difícil, pois há menos médicos do que o que seria necessário… 
Bom, na verdade há muitos médicos aqui, mas boa parte deles está dirigindo taxis, coisa que já é piada tão antiga que virou um filme de bollywood… 



Achamos o nosso por indicação de um amigo. O médico dele era um moço mais novo e estava aceitando pacientes. A lista de médicos é grande, mas é difícil achar algum que esteja aberto a novos pacientes, ou que seja do sexo feminino, que seja perto da sua casa ou trabalho ou que fale sua língua. O nosso é homem e canadense, não fala uma palavra em português e fica do outro lado da cidade. A clínica lá é bem bonita, moderna e bem aparelhada. Ouvi falar que nem todas são assim. Tivemos que esperar uns 2 meses entre marcar a primeira consulta e efectivamente ver o médico pela primeira vez, mas depois disso conseguimos marcar consultas com uma semana de antecedência. 



Quando, finalmente, você conseguir um médico familiar, é marcada uma primeira consulta na qual ele irá avaliar você em um physical: eles tiram sua pressão, fazem diversos testes de sangue, urina, auscultam o coração, observam se você tem problemas de pele, faz o exame ginecológico (em caso de médico homem uma enfermeira deve estar presente), fazem exames nas partes masculinas também, próstata, enfim… te avaliam por inteiro. Esse exame você tem direito a fazer um por ano e é incluído no OHIP (Ontario Health Insurance Program). Se você não se sentir confortável para fazer o exame ginecológico com seu médico de família, ele pode te recomendar um ginecologista.

Depois disso todos os problemas de saúde que você tiver devem passar primeiramente por esse ser humano. Tudo (ou tudo que não for emergência e que for coberto pelo plano). Dor de cabeça, pé inchado, pinta com cara de câncer de pele. É ele quem vai fazer a primeira avaliação e, caso ache necessário, irá te encaminhar para o especialista.
O que, muitas vezes, pode ser frustrante.

D. Mari por exemplo, estava com uma pinta crescendo no ombro e, após 3 consultas com o médico ameaçou de processá-lo para conseguir ver uma especialista que confirmou: tinha que tirar. Eu tive uma dor horrível no pé ano passado e passei 4 meses aguardando por um especialista. Ele me indicava para um… e o médico demorava 2 semanas para responder que estava sem horário, daí ele me indicava para outro, e outro… Um dia fui lá e fiz um escândalo. Finalmente consegui a tal consulta. Nesse meio tempo meu pé piorou muito. 

Eu estou falando isso, mas acredite, eu gosto do meu médico. Eu gosto principalmente de uma das atendestes do meu médico que é uma jamaicana muito divertida. Mas se você quiser saber opiniões sobre os médicos antes de ir a uma consulta, você pode dar uma olhada aqui
Há inclusive uma lista dos melhores médicos de Toronto feita pela Toronto Life.  São médicos de diversas especialidades.

---

Minha experiência pessoal com um especialista…


Então, demorei 4 meses para achar um especialista que me aceitasse.
Obviamente depois de ter esperado os primeiros 3 meses, eu apareci chorando em uma clínica particular. Lá fui atendida por uma quiroprata fofinha, que me deu desconto e me diagnosticou com fascine plantar. Ela me passou exercícios e passei 3 meses indo la 2 vezes por semana o que me fez ser capaz de ficar em pé de novo e andar pela rua (eu tava andando só de bicicleta. Daqui pra esquina, de casa pro trabalho a duas quadras daqui… se eu pudesse iria de bike da cama pro banheiro). 

Caribe mexicano. Ao fundo, ruínas Maias.
A história do meu pé doendo começou em dezembro de 2012, nos primeiros 3 dias de uma viagem que fizemos de 3 meses pela America Central e para o carnaval no Rio de Janeiro. 
Nós estávamos em Tulum, no Caribe mexicano, em um hostel onde ocupávamos um beliche, eu no andar de cima. Acordei, fui descer a escada de frente e, obviamente, escorreguei, caí, bati o pé no chão e senti uma dor tenebrosa. Fui orientada pela gerente do hostel a não procurar o serviço de saúde mexicano pois era muito ruim naquela cidade e ela me deu o endereço de um quiroprata. Fui atendida por ele que me apertou um monte e disse que eu tinha apenas distendido um tendão, que deveria passar o dia fazendo compressa de gelo, com o pé pra cima e, lentamente, voltar às minhas atividades normais. Que após uns 20 dias eu não sentiria mais dor. 
Dito e feito. Nos meus últimos dias no Rio, porém, comecei a sentir dor novamente. Procurei Mãe Priscila do Quintalzinho (nossa fisioterapeuta/acumputurista amiga que parece vidente pois sempre sabe o que está acontecendo com vc só de olhar na sua língua) que disse acreditar que o quiroprata estava certo. Me pediu confirmar com uma chapa de raio-x que, como eu já estava de partida, deixei para fazer no Canadá. 
Cheguei em casa, fui ao médico de família, ele me apertou, pediu uma chapa do pé. Eu fiz. Viram que havia uma fratura. Ele então começou a me encaminhar para os especialistas.  

Quando finalmente consegui um médico, era um cara todo bem renomado do St. Michaels Hospital, um cirurgião fodaço. Li sobre ele no Rate MDs e parecia que, finalmente, alguém ia tratar de mim. 

Saí correndo do trabalho, na hora do almoço, e sentei lá na fila de espera… por 3 horas. Me chamaram para tirar mais uma chapa do pé e em seguida fui levada para uma sala. Nessa sala haviam 3 macas separadas por cortinas. Esperei um pouco lá, veio uma enfermeira, mandou eu tirar a meia, veio um moço que eu não sei quem é e me perguntou do meu histórico, olhou o raio-x e fez alguns exames. Dez minutos depois veio o tal especialista. Conversou com os dois outros, olhou minha chapa do pé e disse: "Você está com uma fratura muito estranha para alguém da sua idade. Sou osso foi esmagado. Isso pode significar que vc está com perda óssea, pode ser que esteja com osteoporose. Além disso está com fascine plantar. Vai precisar fazer fisioterapia, comprar uma palmilha para esse pé chato (me deu uma prescrição) e ver um médico especializado em ossos".
Essa consulta com ele, se durou 5 minutos, foi muito.

Depois veio uma fisioterapeuta. A primeira pergunta que ela me fez foi: você tem plano de saúde? Quando eu disse que não ela trouxe uma folha com alguns alongamentos e mandou fazer uma série insana deles todos os dias. Insana significa que ela queria que eu fizesse 2 horas de alongamentos por dia. Me deu também um envelope com o numero para marcar minha consulta com o especialista em ossos. Eles mesmos me encaminhariam por dentro do hospital, mas caso eu não recebesse um telefonema em até 2 semanas, deveria ligar para marcar com a enfermeira responsável. Dentro do envelope várias informações sobre osteoporose, tratamentos, formulários e fotos "positivas" de velhinhos quebrados e sorridentes. Saí de lá, cruzei a rua e fui numa clínica particular de pés. Lá marquei uma consulta com o doutor que faria minha palmilha específica para o meu pé, seguindo a receita dada pelo médico. A conta? 60 pela consulta + 500 pela palmilha. Se eu tivesse plano, tudo estaria coberto.
ninguém merece receber esse envelope do alto dos seus 30 e poucos anos
Nem preciso dizer que não saí exactamente feliz ou positiva dessa consulta. Fui chorando até minha bicicleta e cheguei de olhos inchados no trabalho. Inventei uma desculpa e fui embora. Chateada. Chorei muito aquela noite. 

No dia seguinte fui ver minha quiroprata e ela discordou dos exercícios. Disse que era coisa demais e feito apenas para me deixar estressada. Ela aproveitou um ou dois daqueles exercícios e me mandou fazer por muito menos tempo. Também não concordou com a palmilha, mas disse que mal não haveria de fazer. Na época eu estava usando uma palmilha comprada no mercado que ela havia me indicado e que já estava fazendo efeito. resolvi fazer a palmilha cara assim mesmo e falei com meu pai que me deu de presente (certas coisas a gente pede de presente pra pai. Mesmo com mais de 3 décadas na cara). 
Fui na consulta com o tal médico que ia fazer o molde pra palmilha. Ele fez os mesmos exame que todo mundo e perguntas e falou mal dos meus médicos, fez o molde e tentou me vender uns tratamentos supersônicos. Na saída da consulta, já depois de ter pago, me arrependi muito. Achei o médico babacão. Mas já estava feito.


A tal enfermeira que deveria marcar minha consulta nunca me ligou. Eu liguei 2, 3, 5 vezes e, todas as vezes, me diziam que ela não estava naquele dia. Até que me enfureci e fui diretamente ao St Michael. Não era possível que eu pudesse contar com uma única enfermeira para marcar minha consulta. Eu recusava saber: tenho ou não osteoporose?! Chegando no hospital me dizem que é isso mesmo, ela é a única responsável pelo sector e que teria que esperar ela voltar de licença pois estava doente.




Depois de fazer exames em Copa, minha mãe
me acompanhava em passeios pela praia também.
Eu comecei a ficar realmente nervosa e acabei marcando uma passagem para o Brasil. Decidi na segunda que iria na sexta, quando acabava meu contrato. Comprei a passagem, liguei pra minha mãe e pedi para ela marcar tudo quanto é tipo de médico, mandei email pra Priscila, marquei o taxi. Na sexta, saí do trampo, vim em casa buscar a mala e de lá pro Rio. Chegando lá o médico da minha avó me atendeu, marcou mil exames para os quais minha mãe me levou. Em 4 dias eu já tinha feito todos os exames possíveis e imagináveis. 


consulta na frente do restaurante
Fomos encontrar o médico na Barra da Tijuca, pois ele não tinha mais horários e eu tinha que voltar ao Canada. Encontramos com ele e um outro médico que olharam minha ressonância, minha densidade óssea, meus raios-x e disseram: "Bárbara, não só tudo parece normal e seus níveis ósseos estão ótimos, como aparentemente você nunca quebrou nada. Seus ossos estão íntegros e não há nem mesmo qualquer cicatriz".

Pois é amiguinhos e amiguinhas… Eu nunca quebrei nada. Meus ossos são ótimos. 


Comemoramos a boa noticia com um mergulhinho em Ipanema

Maldito médico.

Voltei ao Canadá e, pisando aqui, no dia seguinte, me liga a tal enfermeira para marcar o exame de densidade óssea e minha consulta com a especialista. Resolvi ir pra ver como seria. Fiz o mesmíssimo exame que havia feito no Brasil, a densitometria, só que em um aparelho mais moderno. A médica me fez um monte de perguntas e mais alguns exames. Eu havia levado minha ressonância magnética (mas não a densitometria, claro) e ela entrou no google e traduziu o laudo. Gostei dela. Super aplicada, gentil etc. Depois de muito olhar meus raios-x ela disse: "Olha eu não sei o que esse médico viu. Não há fartura alguma aqui, seus ossos estão ótimos. Eu sinto muito que você tenha ficado assustada. O que você teve foi algum trauma que não foi cuidado até o fim, provavelmente você rompeu um ligamento, como te disseram no México, e esse trauma resultou numa fascite plantar. Continue usando a palmilha, indo na quiroprata e fazendo Tai Chi que você vai ficar boa logo logo".

Fiz isso. 
Tô boa.

Mas posso dizer que minha primeira experiência com um médico especialista aqui me fudeu financeiramente.
Pelo menos pude curtir o aniversário no Rio, cercada de amigos, curtir minha mãe. Isso foi em novembro de 2013, sendo que o problema começou em dezembro de 2012. Foda!


14/04/2014

O tão falado Sistema de Saúde Canadense

Uma introdução


Eu tenho uma lista de coisas que eu gostaria de escrever para este blog e nunca escrevo. Não é exactamente uma lista divertida, mas uma lista de coisas que podem ajudar quem esteja por aqui ou esteja pensando em vir morar nessas terras.
Sistema de Saúde, taxas federais, ajuda financeira (um bolsa família daqui que eu usei e foi de suma importância pra minha vida), mudança na lei de imigração e achando trabalho em Toronto, entre outras coisas, são assuntos que quero, eventualmente, tratar aqui.

Bom, vamos ao ponto.

O Sistema de Saúde Canadense, embora público, é bem diferente do SUS brasileiro. A primeira diferença é que embora exista o Canadian Medicare, o sistema de saúde é varia de província para província. 

Essa diferença engloba como ele é financiado, gerido e o que está incluído no seguro de saúde. De comum entre os seguros de saúde públicos das províncias há: 
- a administração deve ser pública
- deve ter larga abrangência de cobertura
-  universalidade
- acessibilidade (um conceito muito amplo que não entendo bem)

Além do sistema público, há também o privado, que cobre o que fica faltando no outro sistema. Não se preocupe: aqui não é os EUA e ninguém vai deixar de te tratar de um linfoma porque você não tem 200 mil pra pagar, nem você não vai ter que fabricar heroína num trailler no meio do deserto porque não tem dinheiro para pagar seu tratamento. Mas muitas coisas não são cobertas, ou não são cobertas em uma provência, mas são em outra. 

Exemplos de especialidades não cobertas em ontário são:

dentista
oftamologista
fisioterapeuta
quiroprata
psicologo 
acuputurista
fertilização in-vitro
transporte de ambulância quando não é totalmente essencial 
entre outras coisas.


Há excessões. Normalmente crianças e idosos tem cobertura diferenciada. O mesmo ocorre com famílias de baixa renda, mas, como é de se esperar, o atendimento particular é bem melhor que o público.

Pois é, temos um sistema de saúde particular. Eu imagino que para alguns isso soe estranho (pois todo mundo SABE que por aqui a saúde é pública) e para outros seja o mínimo esperado (a galera que pergunta: e se eu quiser pagar por um atendimento melhor?), mas o sistema de saúde particular aqui é bem diferente do que conhecemos no Brasil ou o que ouvimos falar nos EUA.

Ele cobre o que o seguro provincial não cobre. As coisas descritas acima, remédios, atendimento em casa, you name it. Esses seguros podem ser pagos por você ou pela empresa que te contrata (o famoso emprego com benefícios). Quando você vai à clinica de sua escolha ou compra o remédio da prescrição, apresenta o cartão do seguro e pimpa! tá pago.

Mais que isso eu não sei. Aqui só tenho o seguro da província e nada mais.
Tudo o que faço por fora eu pago do bolso. Ano passado gastei uma fortuna em quiroprata. Fazer o que? É a vida.

-----

E quem está coberto?

Bom, a ideia é que residentes da província estejam cobertos. Para ser considerado residente elegível, pelo menos aqui em Ontário, você deve estar legalmente na província há pelo menos 3 meses antes de pedir seu cartão de saúde. Isso significa que você está pagando os impostos provinciais que financiam o sistema de saúde pública.

Há regras sobre saídas da provincia e do país por longos períodos e é possível perder a cobertura. Mas eu imagino que, voltando e, depois de 3 meses, seja possível recuperá-la.

Quanto aos ilegais eu não sei como funciona. Ano passado passou uma lei que protege ilegais, trabalhadores migrantes e pessoas de passagem e que está causando fúria nos conservadores (os comentários abaixo das notícias sobre o assunto costumam ser pra lá de xenófobas… lembra um pouco os tenebrosos comentários do G1).

E mesmo havendo lei que garanta acesso a serviços essenciais a todos, muitas agências perguntam sobre o status do imigrante e, muitos deles, reportam o mesmo para a polícia e para a imigração. Por isso muita gente tem medo de pedir ajuda (das mais diversas ajudas que você possa imaginar).

Eu achei um site bem bacana que fala sobre o Sistema de Saúde de British Columbia, pelos olhos de quem acabou de chegar. Se você está indo para lá, dá uma olhada.

---



No próximo post vou falar de como é navegar pelo sistema de saúde daqui que pode ser bem confuso para quem está chegando.