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28/06/2018

Os EUA não são um país seguro




Eu não falo muito de política por aqui, mas quem me conhece sabe que política é uma das coisas mais importantes da minha vida. Eu sou uma political junkie, como falam por aqui.

Mas, infelizmente, a política brasileira me faz mal.
Sou uma pessoa voltada mais a esquerda politicamente. Acho que isso é óbvio pelos meus posts.
Para uma pessoa como eu a situação atual do Brasil causa quase que um desespero.
Sofro de depressão e ansiedade, então tenho que ser comedida no quanto acompanho o que está acontecendo. Tive que sair do facebook. Tive que cortar relações com pessoas da minha própria familia pois não consegui conviver com o classicismo, a misoginia, o racismo das mesmas. Enfim.

Então tenho me voltado bastante para o que acontece aqui na América de Cima.

Embora eu participe de protestos, vá a encontros e seminários sempre que tenho a oportunidade, a maior parte do meu ativismo é de sofá, pois passo muito tempo em frente ao computador. Isso não significa que eu não tente fazer minha parte enquanto cidadã.

Entre as coisas que faço estão divulgar informações, debater e ler muito. Contribuir financeiramente para grupos que lutam por justiça social, voluntariar meu tempo editando vídeos para grupos políticos e escrever cartas para governantes.

Nos últimos tempos, muito me preocupa o que está acontecendo ao sul da fronteira. Trump, que eu gostaria de pensar apenas como uma piada, tem implementado várias políticas que não são apenas racistas, mas que contrariam a resolução dos direitos humanos e os pactos internacionais contra a tortura. Mais especificamente, as políticas de Trump têm servido para criminalizar famílias que estão escapando da violência (muitas vezes fruto das próprias políticas imperialistas americanas) nas Américas. Os EUA estão perseguindo minorias étnicas e religiosas no país, impondo "travel bans", separando familias e encarcerando crianças e bebês em jaulas.

Como cidadã canadense, resolvi escrever para o Ministro de Imigração e Refugio do meu país e pedir o fim de um acordo chamado "Safe Third Country Agreement", que foi firmado com os EUA não muitos anos atrás.

Esse acordo bilateral considera que tanto os EUA quanto o Canadá são países seguros, onde é respeitada a Carta dos Direitos Humanos e as convenções sobre refugiados e contra a tortura. Por ambos os países serem seguros, quando uma pessoa pede refúgio em um país, não pode pedir no outro. Mas infelizmente os EUA não são mais um lugar seguro. Na prática o que está acontecendo é que refugiados estão chegando no Canada via EUA e, por conta do Acordo, devem ser mandados de volta para os EUA, onde podem ser deportados de volta para seus países de origen, ter suas crianças separadas das famílias, serem presos por períodos indeterminados, enfim. Sabe-se lá o que pode acontecer.

Por isso muitos canadenses estão pedindo que o Canada desfaça o acordo.

Enfim, escrevi a carta que copio abaixo e enviei ao ministro.
Como eu, milhares de pessoas estão fazendo o mesmo.

Pra quem interessar, segue a carta.

Boa noite.





"Dear Minister Hussen,

As a concerned new citizen of this country, I call on the Canadian government to immediately suspend the Safe Third Country Agreement.

Canada's immigration legislation indicates that, in determining whether a country should be designated as "safe" for refugees, consideration must be given to the country's human rights record and to whether the country complies with the 1951 Refugee Convention and the Convention against Torture.

Executive orders issued by President Trump demonstrate that the US is not safe for refugees. These include the “Muslim ban”, the incarceration of asylum seekers entering the country from Mexico and forceful family separation.

It is also evident that administration of the executive orders, through border enforcement, has been chaotic, inconsistent and arbitrary.

The Safe Third Country Agreement "stipulates that (...) refugees should not be penalized for their illegal entry or stay. This recognizes that the seeking of asylum can require refugees to breach immigration rules." The document continues: "Prohibited penalties might include being charged with immigration or criminal offences relating to the seeking of asylum, or being arbitrarily detained purely on the basis of seeking asylum."

Donald Trump’s policies go in the exact opposite direction when he is incarcerating asylum seekers claiming that the act of entering the country is a criminal act. Even if border agents are not actively separating families any longer, there are no assurances that families already separated will be reunited. There are no systems in place to ensure that family reunion will happen anytime soon and there are reports of migrants being send back without their children.

The Agreement stipulates that it "requires the continual review of all countries designated as safe third countries. The purpose of the review process is to ensure that the conditions that led to the designation as a safe third country continue to be met.

The Trump regime is denying basic human rights to asylum seekers and it is causing long lasting trauma to innocent children.

Realistically the U.S is where the majority of refugees will enter the “First World” countries of North America. Canada only shares one border, and that's with the United States. It is almost impossible for a refugee to step here without crossing through the United States first, therefore, as a consequence, this rule serves to keep migrants out of our country, using the U.S. as a physical barrier. If Canada refuses entry to an asylum seeker knowing that these refugees will be sent back to their countries, where they will face persecution, Canada is complicit with these policies and I firmly believe that this is not what Canada stands for.

The actions and statements from the President of the United States reflect the very bigotry, xenophobia and nativist fear-mongering that the international refugee regime was designed to counteract. We should also note that they are inconsistent with the 1951 Refugee Convention, the Convention Against Torture, the UN Declaration of Human Rights, the International Covenant on Civil and Political Rights, and many other international human rights instruments.

To make good on this statement, the Canadian government must immediately end of the Safe Third Country Agreement, since the U.S. is not such a place any more.

Sincerely,
Barbara"


26/02/2016

Canadenses!

Venho, por meio dessa, dar as boas novas - VIRAMOS CANADENSES!

Na verdade, viramos canadenses há quase 2 meses, mas a vida corrida não tinha me dado a oportunidade de compartilhar no blog.

É engraçado como nada muda, mas alguma coisa muda quando você se torna cidadã de outro país. Continuo vivendo minha "brasilidade", mas tenho que admitir que ando muito orgulhosa da minha nova identidade.

Logo depois de jurar lealdade à rainha

Alguma chave mudou? Há alguma coisa diferente?

Meus colegas de trabalho diriam que agora não posso mais fazer comentários do tipo: "vocês canadenses são muito estranhos", porque eu sou uma deles. Mas eu digo: "vocês canadenses nascidos na America do Norte são muito estranhos". Meu colega Chileno-canadense concorda.

Sendo uma pessoa de esquerda, que sofre ao ler sobre a política brasileira - meu facebook é totalmente politicamente orientado - eu devo ser masoquista - fico feliz em estar morando em um país que deu uma virada à esquerda.
How are you doing?
Ano passado, pouco antes de eu virar cidadã, elegemos um governo de maioria Liberal, cujo líder, Justin Trudeau, além de gato (não tem como negar) está prometendo e realizando algumas boas mudanças na política canadense.

Uma das que me afeta mais diretamente é a lei criada pelo governo conservador de Stephen Harper que dá ao governo canadense o direito de revocar a cidadania de pessoas que, como eu, tem uma segunda pátria. A lei, conhecida como Bill C-24, foi criada visando "defender o país de terroristas" internos, como é o caso dos 18 de Toronto. A lei funciona assim: Se você for condenado por espionagem, traição à pátria ou terrorismo e tiver outra cidadania (ou a possibilidade de obter outra cidadania), o ministro de imigração pode revogar, unilateralmente, a sua cidadania canadense.

Como isso me afeta, se eu não sou nem pretendo ser terrorista ou espiã?
Bom, primeiro ela cria uma divisão interna no país entre cidadãos de primeira e segunda classe. Pessoas que serão sempre canadenses e outras que podem, a qualquer momento, deixar de ser. Essa sou eu e é também o meu amigo cuja avó é italiana, mas que nunca pisou na Itália. Isso afeta tanto imigrantes quanto seus descendentes quanto pessoas que se casam com imigrantes. Somos todos segunda classe. Segundo, o que define espionagem, o que define terrorismo? O que define traição ao país? Em certos momentos achamos que há uma linha muito clara entre "gente de bem" e a "galera do mau", mas definições mudam o tempo todo. No Brasil, se me lembro bem, queriam passar uma lei, durante a Copa do Mundo, em que qualquer pessoa que protestasse na rua poderia ser detido como terrorista.

Dois "sem mãe"


Ah! mas isso é no Brasil, você diz. No Canadá eles são mais civilizados - tanto as pessoas que protestam quanto as que prendem e julgam.
Eu discordo dessa visão vira-lata brasileira em gênero número e grau. Mas não só! A lei inclui convicções dessa natureza em outros países. Um caso famoso é o de Mohamed Fahmy, jornalista canadense que foi condenado por espionagem no Egito - aparentemente sem provas maiores do que ser jornalista. Durante um bom tempo houve preocupação de que o governo Harper retiraria sua cidadania, pois o mesmo poderia pedir cidadania egípcia. Ou seja, dava para abandonar o cara lá, simplesmente.



Enfim, essa lei está sendo revertida pelo governo liberal, para felicidade de grande parte da população.

Outra lei que estou ansiosa para ver acontecer é a que vai legalizar o uso de maconha recreativa no país. Maconha medicinal já é permitida, mas uma prescrição não é a coisa mais fácil de conseguir. Eu uso maconha há muitos anos para tratar de insônia e cólicas menstruais. Sim, eu gosto também do barato, mas meu uso é bem específico e acontece, normalmente, sozinha, em casa, antes de dormir ou quando estou gemendo de dor e impossibilitada de ir trabalhar. Eu queria muito poder pegar minha receita e ir numa das "farmácias verdes", conversar com o/a atendente e comprar uma maconha específica para mim. Mas não posso - meus médicos são sempre contra. E o que acaba acontecendo é que eu compro de traficante. Eu e todos os maconheiros não cadastrados temos que comprar erva de traficante - o que não é bom para ninguém. Ou melhor - é bom só para o fornecedor. Com a legalização da maconha, qualquer pessoa maior de idade poderá comprar legalmente maconha e derivados em casas especializadas, gerando negócios legais, criando empregos, pagando impostos e sem quebrar a lei. Essa mudança é apoiada pela grande maioria da população canadense. Aliás, a revista Toronto Life só fala disso.



Outras medidas bacanas do governo: Abertura para 25 mil refugiados sírios até o fim do próximo mês, um gabinete ministerial com bancos divididos metade entre homens e metade entre mulheres, uma ministra da justiça indígena, a regulamentação (está para acontecer) da lei de "morte assistida" para pessoas com doenças terminais, e várias outras pautas pendendo pra esquerda.

E esse ano ele prometeu desfilar na parada do orgulho gay de Toronto - vai ser o primeiro primeiro ministro a fazê-lo!

O Canadá não é o lugar mais justo do mundo, mas em tempos de Trump e Bolsonaro, estou muito, mas muito feliz em ter essa outra identidade.

Canadian Barbs!

04/04/2015

Canadá idealizado

Quando estou no Brasil vira e mexe pessoas me felicitam por morar no Canadá: "lá não tem corrupção", "o sistema de saúde funciona", "lá não tem pobreza", "o povo é bem educado", "lá o povo é mais aberto" e por aí vai.

Eu gosto de comparar o Brasil com o Canadá para ilustrar meus pontos de vista esquerdistas e liberais - se aqui tem algum leitor que não me conhece, saiba que sou de esquerda, liberal, bissexual, feminista e pra frentex e que isso molda todo o meu discurso sobre qualquer coisa. "Esteje" avisado.


Tenho verdadeiro gosto em falar das coisas que funcionam aqui. Tipo: gosto de me sentir segura na rua, de não ser tratada como um pedaço de carne. Gosto de poder tratar minha namorada normalmente, em qualquer espaço. Fico feliz de saber que aqui a maioria dos partos é natural e que toda mulher tem o direito ao aborto. E, pra irritar conservadores, gosto de falar dos seguros governamentais daqui - pois que, quando chegamos, usamos por um ano o Bolsa Família canadense. Esse Bolsa Família - que tem tempo indeterminado e é maior quanto maior for a familía, vejam vocês, fornecia um pouco mais de mil dólares mensais para a nossa, além granas extras pra transporte, prática de esportes, compra de roupas e de mobilia/eletrodomésticos para casa. Essa grana nos permitiu nos estabelecer em Toronto e começar nossa vida. Eu gosto de me usar como exemplo disso. Especialmente para pessoas próximas que se referem a pessoas que usam o Bolsa Família como vagabundas.

Apesar das muitas diferenças, cada vez mais vejo muitas semelhanças. O ser humano é ser humano em qualquer parte.


Uma coisa que o canadense tem de muito parecido com o brasileiro é o racismo dissimulado. Ok, o racismo aqui é diferente - e, vale a pena saber, a dissimulação também - mas não menos presente.

No Brasil o racismo é voltado principalmente contra a população negra e indígena - em certos lugares do país. Também poderíamos falar de um racismo contra alguns imigrantes - imigrantes não-brancos, porque os brancos são mais que bem vindos. De qualquer forma, quando falamos de racismo no Brasil normalmente estamos falando de pessoas negras, pardas ou indígenas.



Toronto é a cidade mais multicultural da América. Aqui se falam mais de 140 idiomas (português é a 5a língua, além de inglês e francês, mais falada da cidade) e as minorias visíveis estão por toda parte. Metade da população da cidade é composta por pessoas nascidas fora do país. Aqui, além dos meus muitos amigos brasileiros e alguns canadenses, convivo ou tenho amizade com chineses, portugueses, filipinos, mexicanos, americanos, ingleses, haitianos, persas, russos, indianos, albaneses, gregos, israelenses, vietnamitas, jamaicanos, argelinos, venezuelanos e gente sei lá mais de onde.

As culturas, as religiões, as línguas, os cheiros, as comidas, o jeito de se expressar... Toronto é um caldeirão cultural que, por vezes, é incrível e, por vezes, nefasto. 

Aqui de repente, deixei de ser branca e virei latina. Mas... sou latina como os mexicanos ou guatemaltecos ou bolivianos são latinos? Me pergunto muito isso porque não sou visivelmente latina. Até eu abrir a boca, posso perfeitamente ser canadense. E mesmo assim, quando falo com meu sotacão, posso ser quebecois. Então mantenho certos privilégios brancos e não consigo me assumir totalmente "latina".Tenho me referido a mim mesma como white latina, que eu achei que me define bem.



Mas quando vêem meu nome impresso.... daí é óbvio que não sou daqui. Aliás, meu nome, que tem 4 partes, primeiro nome, sobrenome da mãe, conectivo, sobrenome do pai.... meu nome é praticamente incompreensível por aqui. E pretendo mudá-lo quando já estiver com a cidadania resolvida, porque essa confusão dá trabalho.

Muitos canadenses odeiam as minorias visíveis, embora a maioria negue isso sempre. Os que mais ouço falar mal são os indígenas, negros, chineses, portugueses e indianos. E o mais engraçado é que os imigrantes também têm problemas uns com os outros.

Um amigo querido, brasileiro, trabalha na rampa da Delta Airlines, ou seja, é um daqueles caras que joga tua mala pra dentro do avião e pra fora do avião. Ele adora o trabalho dele que, embora pague pouco, o permite viajar de graça para qualquer lugar - e ele e a esposa aproveitam isso ao máximo. De qualquer forma, esse meu amigo, fazendo graça com os companheiros de rampa, mandou essa:

- O melhor é que todo mundo aqui é imigrante, todo mundo aqui sofre discriminação, mas todo mundo aqui se odeia.

Todos riem.

Pois é.

Bom, esse post foi introdutório ao próximo.
Fim.



15/04/2014

O tão falado Sistema de Saúde Canadense 2

Navegando pelo sistema de Ontário


Como eu comecei no post anterior, vou falar sobre como entender e navegar pelo sistema de saúde pública de Ontário. 
Sobre o que está coberto ou não e o sistema de saúde privado eu falei naquele post.

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Para ser atendido no sistema de saúde é preciso primeiramente tirar o Ontario Health Card. Para isso é necessário ser residente na província por três meses consecutivos. Após o período, você deve se dirigir a um Service Ontario Centre que é o centro de serviços responsável pela emissão não só do cartão de saúde, como da carteira de identidade, motorista, licenças várias e afins. Há uma lista de documentos e como tirar o cartão aqui. Você pode usar um localizador para achar um desses centros mais próximo a você




Uma vez com esse cartão na mão, você pode ir diretamente em qualquer walk in clinic, ou clinicas de pronto-atendimento (aqui uma lista das melhores de Toronto, ser atendido por uma ambulância ou ver seu médico de família.

Antes de conseguir o cartão, é importante ter um seguro de viagem que te cubra pelos três meses em que você está descoberto. Há uma lei que diz que estamos todos cobertos, mesmo quem está ilegal, mas como falei no outro post, há controvérsias.

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Médico de família e especialistas

Com a excessão das especialidades sem cobertura e para as quais você pode se dirigir directamente, no Canadá qualquer especialista que seja necessário ver deve ser indicado, primeiramente, pelo seu médico de família (sempre bom lembrar: qualquer família). É um sistema muito diferente dos sistemas em outros lugares do mundo o que causa muita confusão nos recém-chegados

O primeiro passo é achar seu médicoEsse processo pode ser longo e difícil, pois há menos médicos do que o que seria necessário… 
Bom, na verdade há muitos médicos aqui, mas boa parte deles está dirigindo taxis, coisa que já é piada tão antiga que virou um filme de bollywood… 



Achamos o nosso por indicação de um amigo. O médico dele era um moço mais novo e estava aceitando pacientes. A lista de médicos é grande, mas é difícil achar algum que esteja aberto a novos pacientes, ou que seja do sexo feminino, que seja perto da sua casa ou trabalho ou que fale sua língua. O nosso é homem e canadense, não fala uma palavra em português e fica do outro lado da cidade. A clínica lá é bem bonita, moderna e bem aparelhada. Ouvi falar que nem todas são assim. Tivemos que esperar uns 2 meses entre marcar a primeira consulta e efectivamente ver o médico pela primeira vez, mas depois disso conseguimos marcar consultas com uma semana de antecedência. 



Quando, finalmente, você conseguir um médico familiar, é marcada uma primeira consulta na qual ele irá avaliar você em um physical: eles tiram sua pressão, fazem diversos testes de sangue, urina, auscultam o coração, observam se você tem problemas de pele, faz o exame ginecológico (em caso de médico homem uma enfermeira deve estar presente), fazem exames nas partes masculinas também, próstata, enfim… te avaliam por inteiro. Esse exame você tem direito a fazer um por ano e é incluído no OHIP (Ontario Health Insurance Program). Se você não se sentir confortável para fazer o exame ginecológico com seu médico de família, ele pode te recomendar um ginecologista.

Depois disso todos os problemas de saúde que você tiver devem passar primeiramente por esse ser humano. Tudo (ou tudo que não for emergência e que for coberto pelo plano). Dor de cabeça, pé inchado, pinta com cara de câncer de pele. É ele quem vai fazer a primeira avaliação e, caso ache necessário, irá te encaminhar para o especialista.
O que, muitas vezes, pode ser frustrante.

D. Mari por exemplo, estava com uma pinta crescendo no ombro e, após 3 consultas com o médico ameaçou de processá-lo para conseguir ver uma especialista que confirmou: tinha que tirar. Eu tive uma dor horrível no pé ano passado e passei 4 meses aguardando por um especialista. Ele me indicava para um… e o médico demorava 2 semanas para responder que estava sem horário, daí ele me indicava para outro, e outro… Um dia fui lá e fiz um escândalo. Finalmente consegui a tal consulta. Nesse meio tempo meu pé piorou muito. 

Eu estou falando isso, mas acredite, eu gosto do meu médico. Eu gosto principalmente de uma das atendestes do meu médico que é uma jamaicana muito divertida. Mas se você quiser saber opiniões sobre os médicos antes de ir a uma consulta, você pode dar uma olhada aqui
Há inclusive uma lista dos melhores médicos de Toronto feita pela Toronto Life.  São médicos de diversas especialidades.

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Minha experiência pessoal com um especialista…


Então, demorei 4 meses para achar um especialista que me aceitasse.
Obviamente depois de ter esperado os primeiros 3 meses, eu apareci chorando em uma clínica particular. Lá fui atendida por uma quiroprata fofinha, que me deu desconto e me diagnosticou com fascine plantar. Ela me passou exercícios e passei 3 meses indo la 2 vezes por semana o que me fez ser capaz de ficar em pé de novo e andar pela rua (eu tava andando só de bicicleta. Daqui pra esquina, de casa pro trabalho a duas quadras daqui… se eu pudesse iria de bike da cama pro banheiro). 

Caribe mexicano. Ao fundo, ruínas Maias.
A história do meu pé doendo começou em dezembro de 2012, nos primeiros 3 dias de uma viagem que fizemos de 3 meses pela America Central e para o carnaval no Rio de Janeiro. 
Nós estávamos em Tulum, no Caribe mexicano, em um hostel onde ocupávamos um beliche, eu no andar de cima. Acordei, fui descer a escada de frente e, obviamente, escorreguei, caí, bati o pé no chão e senti uma dor tenebrosa. Fui orientada pela gerente do hostel a não procurar o serviço de saúde mexicano pois era muito ruim naquela cidade e ela me deu o endereço de um quiroprata. Fui atendida por ele que me apertou um monte e disse que eu tinha apenas distendido um tendão, que deveria passar o dia fazendo compressa de gelo, com o pé pra cima e, lentamente, voltar às minhas atividades normais. Que após uns 20 dias eu não sentiria mais dor. 
Dito e feito. Nos meus últimos dias no Rio, porém, comecei a sentir dor novamente. Procurei Mãe Priscila do Quintalzinho (nossa fisioterapeuta/acumputurista amiga que parece vidente pois sempre sabe o que está acontecendo com vc só de olhar na sua língua) que disse acreditar que o quiroprata estava certo. Me pediu confirmar com uma chapa de raio-x que, como eu já estava de partida, deixei para fazer no Canadá. 
Cheguei em casa, fui ao médico de família, ele me apertou, pediu uma chapa do pé. Eu fiz. Viram que havia uma fratura. Ele então começou a me encaminhar para os especialistas.  

Quando finalmente consegui um médico, era um cara todo bem renomado do St. Michaels Hospital, um cirurgião fodaço. Li sobre ele no Rate MDs e parecia que, finalmente, alguém ia tratar de mim. 

Saí correndo do trabalho, na hora do almoço, e sentei lá na fila de espera… por 3 horas. Me chamaram para tirar mais uma chapa do pé e em seguida fui levada para uma sala. Nessa sala haviam 3 macas separadas por cortinas. Esperei um pouco lá, veio uma enfermeira, mandou eu tirar a meia, veio um moço que eu não sei quem é e me perguntou do meu histórico, olhou o raio-x e fez alguns exames. Dez minutos depois veio o tal especialista. Conversou com os dois outros, olhou minha chapa do pé e disse: "Você está com uma fratura muito estranha para alguém da sua idade. Sou osso foi esmagado. Isso pode significar que vc está com perda óssea, pode ser que esteja com osteoporose. Além disso está com fascine plantar. Vai precisar fazer fisioterapia, comprar uma palmilha para esse pé chato (me deu uma prescrição) e ver um médico especializado em ossos".
Essa consulta com ele, se durou 5 minutos, foi muito.

Depois veio uma fisioterapeuta. A primeira pergunta que ela me fez foi: você tem plano de saúde? Quando eu disse que não ela trouxe uma folha com alguns alongamentos e mandou fazer uma série insana deles todos os dias. Insana significa que ela queria que eu fizesse 2 horas de alongamentos por dia. Me deu também um envelope com o numero para marcar minha consulta com o especialista em ossos. Eles mesmos me encaminhariam por dentro do hospital, mas caso eu não recebesse um telefonema em até 2 semanas, deveria ligar para marcar com a enfermeira responsável. Dentro do envelope várias informações sobre osteoporose, tratamentos, formulários e fotos "positivas" de velhinhos quebrados e sorridentes. Saí de lá, cruzei a rua e fui numa clínica particular de pés. Lá marquei uma consulta com o doutor que faria minha palmilha específica para o meu pé, seguindo a receita dada pelo médico. A conta? 60 pela consulta + 500 pela palmilha. Se eu tivesse plano, tudo estaria coberto.
ninguém merece receber esse envelope do alto dos seus 30 e poucos anos
Nem preciso dizer que não saí exactamente feliz ou positiva dessa consulta. Fui chorando até minha bicicleta e cheguei de olhos inchados no trabalho. Inventei uma desculpa e fui embora. Chateada. Chorei muito aquela noite. 

No dia seguinte fui ver minha quiroprata e ela discordou dos exercícios. Disse que era coisa demais e feito apenas para me deixar estressada. Ela aproveitou um ou dois daqueles exercícios e me mandou fazer por muito menos tempo. Também não concordou com a palmilha, mas disse que mal não haveria de fazer. Na época eu estava usando uma palmilha comprada no mercado que ela havia me indicado e que já estava fazendo efeito. resolvi fazer a palmilha cara assim mesmo e falei com meu pai que me deu de presente (certas coisas a gente pede de presente pra pai. Mesmo com mais de 3 décadas na cara). 
Fui na consulta com o tal médico que ia fazer o molde pra palmilha. Ele fez os mesmos exame que todo mundo e perguntas e falou mal dos meus médicos, fez o molde e tentou me vender uns tratamentos supersônicos. Na saída da consulta, já depois de ter pago, me arrependi muito. Achei o médico babacão. Mas já estava feito.


A tal enfermeira que deveria marcar minha consulta nunca me ligou. Eu liguei 2, 3, 5 vezes e, todas as vezes, me diziam que ela não estava naquele dia. Até que me enfureci e fui diretamente ao St Michael. Não era possível que eu pudesse contar com uma única enfermeira para marcar minha consulta. Eu recusava saber: tenho ou não osteoporose?! Chegando no hospital me dizem que é isso mesmo, ela é a única responsável pelo sector e que teria que esperar ela voltar de licença pois estava doente.




Depois de fazer exames em Copa, minha mãe
me acompanhava em passeios pela praia também.
Eu comecei a ficar realmente nervosa e acabei marcando uma passagem para o Brasil. Decidi na segunda que iria na sexta, quando acabava meu contrato. Comprei a passagem, liguei pra minha mãe e pedi para ela marcar tudo quanto é tipo de médico, mandei email pra Priscila, marquei o taxi. Na sexta, saí do trampo, vim em casa buscar a mala e de lá pro Rio. Chegando lá o médico da minha avó me atendeu, marcou mil exames para os quais minha mãe me levou. Em 4 dias eu já tinha feito todos os exames possíveis e imagináveis. 


consulta na frente do restaurante
Fomos encontrar o médico na Barra da Tijuca, pois ele não tinha mais horários e eu tinha que voltar ao Canada. Encontramos com ele e um outro médico que olharam minha ressonância, minha densidade óssea, meus raios-x e disseram: "Bárbara, não só tudo parece normal e seus níveis ósseos estão ótimos, como aparentemente você nunca quebrou nada. Seus ossos estão íntegros e não há nem mesmo qualquer cicatriz".

Pois é amiguinhos e amiguinhas… Eu nunca quebrei nada. Meus ossos são ótimos. 


Comemoramos a boa noticia com um mergulhinho em Ipanema

Maldito médico.

Voltei ao Canadá e, pisando aqui, no dia seguinte, me liga a tal enfermeira para marcar o exame de densidade óssea e minha consulta com a especialista. Resolvi ir pra ver como seria. Fiz o mesmíssimo exame que havia feito no Brasil, a densitometria, só que em um aparelho mais moderno. A médica me fez um monte de perguntas e mais alguns exames. Eu havia levado minha ressonância magnética (mas não a densitometria, claro) e ela entrou no google e traduziu o laudo. Gostei dela. Super aplicada, gentil etc. Depois de muito olhar meus raios-x ela disse: "Olha eu não sei o que esse médico viu. Não há fartura alguma aqui, seus ossos estão ótimos. Eu sinto muito que você tenha ficado assustada. O que você teve foi algum trauma que não foi cuidado até o fim, provavelmente você rompeu um ligamento, como te disseram no México, e esse trauma resultou numa fascite plantar. Continue usando a palmilha, indo na quiroprata e fazendo Tai Chi que você vai ficar boa logo logo".

Fiz isso. 
Tô boa.

Mas posso dizer que minha primeira experiência com um médico especialista aqui me fudeu financeiramente.
Pelo menos pude curtir o aniversário no Rio, cercada de amigos, curtir minha mãe. Isso foi em novembro de 2013, sendo que o problema começou em dezembro de 2012. Foda!


14/04/2014

O tão falado Sistema de Saúde Canadense

Uma introdução


Eu tenho uma lista de coisas que eu gostaria de escrever para este blog e nunca escrevo. Não é exactamente uma lista divertida, mas uma lista de coisas que podem ajudar quem esteja por aqui ou esteja pensando em vir morar nessas terras.
Sistema de Saúde, taxas federais, ajuda financeira (um bolsa família daqui que eu usei e foi de suma importância pra minha vida), mudança na lei de imigração e achando trabalho em Toronto, entre outras coisas, são assuntos que quero, eventualmente, tratar aqui.

Bom, vamos ao ponto.

O Sistema de Saúde Canadense, embora público, é bem diferente do SUS brasileiro. A primeira diferença é que embora exista o Canadian Medicare, o sistema de saúde é varia de província para província. 

Essa diferença engloba como ele é financiado, gerido e o que está incluído no seguro de saúde. De comum entre os seguros de saúde públicos das províncias há: 
- a administração deve ser pública
- deve ter larga abrangência de cobertura
-  universalidade
- acessibilidade (um conceito muito amplo que não entendo bem)

Além do sistema público, há também o privado, que cobre o que fica faltando no outro sistema. Não se preocupe: aqui não é os EUA e ninguém vai deixar de te tratar de um linfoma porque você não tem 200 mil pra pagar, nem você não vai ter que fabricar heroína num trailler no meio do deserto porque não tem dinheiro para pagar seu tratamento. Mas muitas coisas não são cobertas, ou não são cobertas em uma provência, mas são em outra. 

Exemplos de especialidades não cobertas em ontário são:

dentista
oftamologista
fisioterapeuta
quiroprata
psicologo 
acuputurista
fertilização in-vitro
transporte de ambulância quando não é totalmente essencial 
entre outras coisas.


Há excessões. Normalmente crianças e idosos tem cobertura diferenciada. O mesmo ocorre com famílias de baixa renda, mas, como é de se esperar, o atendimento particular é bem melhor que o público.

Pois é, temos um sistema de saúde particular. Eu imagino que para alguns isso soe estranho (pois todo mundo SABE que por aqui a saúde é pública) e para outros seja o mínimo esperado (a galera que pergunta: e se eu quiser pagar por um atendimento melhor?), mas o sistema de saúde particular aqui é bem diferente do que conhecemos no Brasil ou o que ouvimos falar nos EUA.

Ele cobre o que o seguro provincial não cobre. As coisas descritas acima, remédios, atendimento em casa, you name it. Esses seguros podem ser pagos por você ou pela empresa que te contrata (o famoso emprego com benefícios). Quando você vai à clinica de sua escolha ou compra o remédio da prescrição, apresenta o cartão do seguro e pimpa! tá pago.

Mais que isso eu não sei. Aqui só tenho o seguro da província e nada mais.
Tudo o que faço por fora eu pago do bolso. Ano passado gastei uma fortuna em quiroprata. Fazer o que? É a vida.

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E quem está coberto?

Bom, a ideia é que residentes da província estejam cobertos. Para ser considerado residente elegível, pelo menos aqui em Ontário, você deve estar legalmente na província há pelo menos 3 meses antes de pedir seu cartão de saúde. Isso significa que você está pagando os impostos provinciais que financiam o sistema de saúde pública.

Há regras sobre saídas da provincia e do país por longos períodos e é possível perder a cobertura. Mas eu imagino que, voltando e, depois de 3 meses, seja possível recuperá-la.

Quanto aos ilegais eu não sei como funciona. Ano passado passou uma lei que protege ilegais, trabalhadores migrantes e pessoas de passagem e que está causando fúria nos conservadores (os comentários abaixo das notícias sobre o assunto costumam ser pra lá de xenófobas… lembra um pouco os tenebrosos comentários do G1).

E mesmo havendo lei que garanta acesso a serviços essenciais a todos, muitas agências perguntam sobre o status do imigrante e, muitos deles, reportam o mesmo para a polícia e para a imigração. Por isso muita gente tem medo de pedir ajuda (das mais diversas ajudas que você possa imaginar).

Eu achei um site bem bacana que fala sobre o Sistema de Saúde de British Columbia, pelos olhos de quem acabou de chegar. Se você está indo para lá, dá uma olhada.

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No próximo post vou falar de como é navegar pelo sistema de saúde daqui que pode ser bem confuso para quem está chegando.

12/10/2012

O aborto e a coluna "erótica" do jornal gratuito

Me parece chocante, mas no Brasil o aborto não é só um assunto tabu, é também crime.
O aborto no Brasil só é permitido à mulher em caso de estupro, de risco de vida para a mulher e (novidade) em caso de fetos anencéfalos.
Mesmo nesses três casos, a mulher que quer abortar precisa esperar muito tempo para ter o embrião retirado. Muitas vezes durante essa espera passam-se meses e perde-se a oportunidade ficando a mulher obrigada a continuar a gestão até o fim.
As outra mulheres que não tiveram "a sorte" de estarem nos três casos previstos são obrigadas a recorrer ao aborto ilegal, muitas vezes morrendo em decorrência disso. São milhares de mulheres mortas por não terem direito à escolha, por não terem o direito à gerir seus corpos.

O nome do movimento contra o aborto se chama pró-vida (vida do embrião, não da mulher) e do movimento pró-aborto é pró-escolha.
Antes de mais nada quero dizer que sou pró-escolha e acho um ABSURDO que essa discussão ainda exista no Brasil e que muita gente (incluindo aí parentes meus) comparem uma mulher que realiza um aborto a um criminoso como um ladrão ou um sequestrador ou assassino. Mas é assim no Brasil. Ainda.

Aqui no Canada a coisa é diferente. O aborto é legalizado e, se você for contra o aborto, não faça um.
(assim como se vc for contra o casement gay, não case com um gay. Mas se você quiser casar, pode ir lá no City Hall e fazer a festa mais linda que o dinheiro pode pagar)

Toda quinta feira é distribuído pela meu jornal favorito, a NOW, que é uma publicação gratuita que trata principalmente de cultura, mas também de política e outros assuntos. Na última página fica minha sessão favorita: Savage Love. Dan Savage, o editor da coluna, responde a cartas sobre questões (normalmente) sexuais dos leitores. As questões são as mais variadas e muitas vezes hilárias.

As pessoas perguntam sobre posições sexuais, taras, falam de situações vividas e contas as histórias mais esdruchulas que você pode imaginar.
Mas de uns tempos para cá, notei que cada vez mais a coluna está politizada.

Outro dia, por exemplo, uma leitora escreveu para dizer que ela considera uma perda de tempo sair com qualquer homem que não seja feminista. Ela explicava: todos os homens querem sexo. Eu também quero sexo. Só que quando o homem não é feminista e a gente transa ele automaticamente me chama de vagabunda e nunca mais aparece (pra depois ficar reclamando que não acha mulher para namorar). Quando o homem é feminista a gente transa. depois transa de novo e de novo e… se o negócio engata o namoro é uma delícia.
Hoje uma mulher expõe uma dúvida incomum: ela namora um cara há sete meses. Ele é fofo, atencioso e tudo o mais, mas outro dia, durante uma conversa, ela descobriu que ele é contra o aborto. Embora ele não diga em voz alta que o aborto deveria ser banido, ele disse que acho que o feto é um ser que têm direitos iguais aos dele. A pergunta dela: eles devem terminar? Ela pergunta isso porque depois dessa conversa já não o olha com os mesmos olhos.

Pra você ver: no Canadá um homem dizer para a namorada que é contra o aborto é um "deal breaker". Demonstra que ele não acredita que a mulher têm o direito de escolha sobre o que acontece dentro do próprio corpo. Ser pró-vida aqui é ser machista é diminuir o poder da mulher.

Dan Savage propõe que ela faça um teste: diga para o namorado que está grávida e sente com ele para planejar o resto da vida deles (juntos ou separados, tanto faz). Ele diz que provavelmente o rapaz muda rapidinho de ideia. Mas continua: para ele, mesmo sendo gay, se ele descobrisse que o cara que ele está namorando é contra o aborto, separaria imediatamente dele porque ele é um idiota. E continua: se você é contra o aborto, você deveria ser contra qualquer método anticoncepcional, pois ele também é abortivo. E se você é contra isso… bom, você é, na essência, contra sexo. E porque alguém namoraria um babaca assim?

Palmas para ele e para a sociedade canadense que acreditam na emancipação feminina.

Para ler a coluna dele na íntegra é só clicar aqui.