13/12/2015

Trânsito e locomoção - se deslocando pela cidade

Eu acho que não importa onde se viva, o deslocamento entre dois pontos de uma cidade pode ser uma grande fonte de stress.

No Rio de Janeiro lembro que sempre calculava meu deslocamento mínimo de ônibus em 30 minutos de um ponto a outro. Para a praia, uma hora. Para o centro, 40 minutos. Faculdade... dependia. Isso porque eu morava na Zona Sul - parte privilegiada da cidade em termos de... basicamente tudo. Esses tempos, 30, 40 minutos, 1 hora pra chegar no meu destino, me pareciam normais. Mas com o tempo eu fui cansando e descobri que se eu fosse de bicicleta de um canto a outro eu poderia fazer tudo mais
Quando mudei para Toronto obviamente comprei uma bicicleta já de saída, mas morando longe, o primeiro ano por aqui eu usei o TTC como meio prioritário de transporte.

A gente morava numa área mais suburbana, chamada Swan Sea. De casa para o mercado eu podia pegar um ônibus que passava a cada 20 minutos ou andar 25 minutos. O comércio mais perto era num posto de gasolina em que eu comprava uma ou outra coisa numa emergência. Meu primeiro trabalho, num café dentro da Universidade de Toronto, ficava a uma hora de street car de casa. Eu não reclamava a principio, pois uma hora de deslocamento era normal pra mim, mas aos poucos eu comecei a pedalar pra cima e para baixo e não parei mais.

Hoje ando de bicicleta quase todos os dias entre a primavera e o começo do inverno. As coisas que me impedem de pedalar são: chuva, neve, gelo, ventania, temperaturas abaixo de -15, a possibilidade de beber e preguiça - que as vezes bate, não tem jeito. Mas PREGUIÇA MESMO eu tenho de andar de transporte público e hoje tenho mil críticas ao sistema - assim como todo torontoniano.


Minhas críticas: A linha de metrô é muito pequena, tem poucos street cars e ônibus em determinadas rotas. Algumas vezes, como no Rio, passam 2 street cars seguidos um do outro e depois te deixam esperando por 20 / 30 minutos no ponto (o que é especialmente escroto no inverno), eles também encurtam as rotas quando você já está dentro do transporte, obrigando vc a sair no meio do trajeto e ficar na rua esperando o próximo TTC vir. Muita gente vive em seu próprio universo e não ajuda a coletividade - exemplo diário: o street car e os ônibus não param para pegar mais passageiros se estiverem lotados. O motorista não tem como saber se tem ou não espaço atrás, ele só vê a primeira parte do vagão entao ele anuncia pelo rádio: please move back. E as vezes, tem até bancos vazios, espaço pra caramba, e mesmo assim ninguém se move. Todo mundo quer ficar perto da saída. Então você que está esperando para entrar (talvez num frio do cão) não consegue porque o motorista entende que tá cheio. Muitas vezes eu, que estou dentro ou tentando entrar, dou uns gritos até que as pessoas se movam. por último: não tem como negar que os bondes velhos quebram. e quando quebram a rua toda fica travada.

Com relação a carro - não tenho nem carteira de motorista ainda. Simplesmente porque não vejo necessidade. Também porque acho esquisito dirigir uma máquina que pesa toneladas e usa petróleo apenas para transportar meus poucos quilinhos. E eu moro no centro - novamente um local privilegiado, e não preciso de carro quase nunca.

É necessário ter carro em Toronto? Dependendo de onde você mora e onde trabalha/ estuda não. Não mesmo. Com todos os seus problemas o TTC é suficiente e é bem melhor do que o transporte no Rio. Pelo menos aqui vc para um único ticket para se ir de um ponto a outro (com o transfer você pode trocar de transporte sem problema) e a maioria das vezes o tempo de percurso é ok. Você também pode comprar um cartão semanal ou mensal com ilimitadas viagens, o que barateia muito a vida.

Mas, e se eu quero dirigir de vez em quando? Para isso existem diversos serviços de aluguel de carro, como o ZipCar, o Car2Go, o AutoShare e outros. Não precisa de ir a locadoras e há estacionamentos com carros prontos para serem dirigidos por toda a cidade. Então, pra que ter carro?

Algumas ciclovias apareceram da noite para o dia
Para piorar o trânsito na hora do rush pode ser brutal. Cada vez mais gente com carros em ruas estreitas, dividindo a rua com o TTC, carros estacionados, taxis, Ubers, bicicletas... Dirigir na hora do rush aqui pode ser infernal.  Nessa hora as pessoas se estressam loucamente e começam a ignorar regras de civilidade e de trânsito.

E se deslocar de bicicleta: é perfeito?

Não. Longe disso. Mas é tipo MUITO MELHOR do que eu estava acostumada no Brasil.

Aqui rola rush de bicicleta
Primeiro porque o número de ciclovias tem crescido bastante, principalmente agora que o prefeito cracudo saiu. Segundo porque eu posso usar a bicicleta em conjunto com o TTC, então se eu ficar cansada é só levar minha bike comigo. Terceiro porque há estacionamento para bicicleta quase em qualquer lugar.

Mas não é um mundo perfeito. Mesmo com ciclovias, motoristas de carros particulares e taxis insistem em estacionar ou mesmo trafegar nas vias. Muitos ultrapassam você tirando fino. Outros te agridem verbalmente apenas por você existir.

Taxistas usam a nova ciclovia como estacionamento

Motoristas se esquecendo das regras de transito



Há também o perigo de alguém abrir a porta de um carro estacionado em cima de você. E por último: ciclistas babacas, que tem aqui como tem em qualquer lugar. Por algum tempo eu reagia a tentativas de homicídio (é assim que eu encaro quando um carro passa raspando ou dirige diretamente em direção a mim) gritando e chingando e depois de passado o problema eu continuava puta. As vezes o dia inteiro. Então adotei uma postura mais zen que ainda permite uma certa vingançinha.

Sempre olhar pelo retrovisor
antes de abrir a porta
A grande maioria das pessoas que faz merda não sabe que está fazendo merda. Então, depois da tentativa de homicídio eu tento alcançar o carro num sinal fechado (o que normalmente não é nada difícil, já que eles estão parados no trânsito e eu não). Então eu peço para abaixar a janela e explico o que eles fizeram de errado e as consequencias do comportamento. 99% dos motoristas se surpreendem, pedem desculpas e prometem prestar mais atenção. Os 1% que me mandam à merda eu respondo com um sorriso: "que você siga com esse espírito incrível" ou "que seu dia continue nesse clima" ou "deve ser terrivel viver como você vive". E com um sorrizo eu vou em uma direção que eles não possam ir. Pronto. Vingança!

Por último, conversei no trabalho e tenho chegado 10 minutos atrasada todos os dias - e saído 10 minutos depois. Esses dez minutos me fazem escapar da hora do rush.

Bom, chega.
Tchau.


Essa não sou eu. Tenho medo de gelo e neve.



09/12/2015

Trabalhando em Toronto com Pós-Produção

Chegamos em Toronto em 2011 e, depois de um começo difícil, estamos trabalhando cada vez com mais constância. Éramos as duas editoras de vídeo no Brasil e estamos na mesma área aqui, por isso colegas brasileiros sempre perguntam como é o mercado de trabalho por aqui.

Infelizmente, mesmo que não exerçamos uma profissão regulamentada, não é tão simples arrumar trabalho. Existem muitas regras escritas e não escritas para se trabalhar por aqui. Uma rápida descrição dos desafios para aqueles que estão a procura de respostas:

1. Para trabalhar você precisa de um visto de trabalho ou ser imigrante ou ser canadense. Nenhuma empresa grande contrata alguém ilegal. Existem trabalhos por baixo da mesa, claro, mas a grande maioria desses trabalhos paga pouco / explora / é temporário. Então não vale a pena vir sem ter certeza de que pode trabalhar.

2. Existe uma lei trabalhista aqui que diz que só se pode contratar um estrangeiro se não existir nenhum canadense (ou residente permanente) que possa exercer a função. Então se você tem apenas um visto de trabalho, vai ficar lá no fim da fila.

3. Boa parte das produções canadenses contam com estímulo governamental. São isenções fiscais dados às produtoras para empregar mão de obra local. Para ser considerado mão de obra local é necessário, novamente, ser residente permanente ou canadense, residir na cidade onde a produção e ter pagado o imposto de renda daquele ano já na própria cidade. Ou seja, não adianta se mudar hoje para Toronto, por exemplo, e achar que já é residente da cidade. Tem que ter feito sua última contribuição aqui também.

4. Mesmo com todas essas barreiras o trabalho não é regulamentado e a grande maioria das pessoas é freela fixo. Sim, tão ruim quanto no Brasil.

5. Você é novo e não conhece ninguém. Ninguém te conhece. Pra piorar, você tem nome latino, talvez mesmo impronunciável. Tipo Mariana. E seu currículo não tem nenhuma produção gringa… Ninguém ouviu falar das produtoras brasileiras ou dos nossos canais de televisão. GNT? Record? Conspiração? O que é isso? Seu rolo está em português… com legendas. Para os canadenses você é praticamente um alien. Um alien com sotaque.

6. Vai ser muito difícil, senão impossível, arrumar emprego no mesmo nível que você tinha no Brasil. Você vai ter que reconstruir sua carreira. Você é editora, mas vai trabalhar de Logger.

Então, depois de saber de tudo isso, você ainda quer trabalhar por aqui. Como fazer?

1. Imigre. Como? Visite a página http://www.cic.gc.ca/english/ para como fazer.


2. Quando chegar, faça de tudo para conhecer gente. Aqui Quem Indica é tão poderoso quanto no Brasil. A maior parte dos empregos que tive foram por indicação. Bons lugares para fazer network são:
   - LIFT (LIAISON OF INDEPENDENT FILMMAKERS OF TORONTO)
   - The Directors Guild of Canada
   - Festivais de cinema como a TIFF, Hot Docs, Brazilian Film Fest etc.
   - Women in Film & Television (WIFT)

3. Atualize seu currículo para os padrões daqui. Não é simples. Aprenda o jeito que eles escrevem. Quando aplicar para um emprego, made uma carta de apresentação personalizada e um CV personalizado também. Preste atenção no que estão pedindo e use as mesmas paravras para se descrever. Uma vez respondi a um anúncio de trabalho que dizia, entre outras coisas que queriam alguém que soubesse after effects. Como eu não sabia mas queria o trabalho, escrevi na minha carta de apresentação que eu não dominava o programa, mas que sabia photoshop. Eu tinha outras mil qualificações para trabalhar naquele projeto e consegui a vaga.

4. Alem do networking existem alguns sites que anunciam empregos na área. A maioria voluntários, mas pra quem não tem nada realizado em inglês, pode ser uma:

  -  Mandy’s Film and TV Production Directory
  - Post Production Pro
  - A própria LIFT
  - Claro, tem o Craigslist.ca, mas a GRANDE MAIORIA dos posts é roubada.

5. Tenha um LinkedIn atualizado, bonitinho, limpinho e cheirosinho. Além disso, participe de grupos de discussão.

6. Aqui pode mandar emails e ligar para pessoas com as quais você gostaria de trabalhar, mesmo que vocês não se conheçam. Faz parte da cultura. Pra mim é absurdo, mas funciona. Chame para um café, para um almoço, pergunte se pode conhecer a empresa.

7. Se você for chamado para uma entrevista, leia o site da empresa, descubra como as pessoas se vestem e se portam e tente parecer com elas. Sério, já vi várias pessoas serem desconsideradas para um trampo porque não pareciam pertencer. Aqui mesmo onde eu trabalho, é uma produtora que faz muito documentário de Heavy Metal. No dia da minha entrevista, vim de preto e eu tava parecida com todo mundo. Uma colega veio pra entrevista de cáqui, toda comportada e dava pra ver que já na entrada olharam pra ela com desconfiança.

8. Crescer na carreira é difícil. E como no Brasil você provavelmente vai ter que mudar de produtora para ter oportunidade de crescer. Demora bastante. Ainda estamos trabalhando majoritariamente como assistentes depois de 3 anos no mercado de trabalho. Mesmo quando você edita seu nome dificilmente entrará nos créditos, afinal, você não tem nome. Além disso tudo muitas vezes os editores são escolhidos pelos exibidores e eles não gostam de nomes novos.

9. Aprenda Avid e Premiere. Avid é usado na maioria das grandes produtoras e Premiere nas pequenas. Eu nunca aprendi premiere, mas tá na lista. After Effects é um “plus a mais”.


Bom, essas são minhas dicas.
Espero que ajude alguém.