08/06/2012

O Belo e o Feio de morar no mesmo prédio que o dono do apartamento

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O Belo:
Eles confiam em você com mais facilidade. Pedem menos comprovações de renda, pois estão do lado para cobrar. Os apartamentos costumam ser bem conservados.

O Feio:
Eles enchem a porra do saco.



Pois é. Enchem mesmo.

Quando mudamos para nosso atual endereço, um basement com janelas grandes e apartamento lindão, nos comprometemos a pagar em dia o aluguel. Nosso contrato, como é comum aqui no Canadá, prevê que, para sairmos do apto temos que dar 2 meses de antecedência. Tb prevê que hospedes por mais de 24 horas devem ser comunicados à Dona (prédio familiar), que é proibido fumar, que para ela entrar aqui dentro, deve dar 24 horas de aviso prévio, entre outras coisas.

Quando mudamos, parecia um sonho. O apto é realmente uma fofura, espaçoso, talvez o apartamento mais legal no qual já morei. Quando chegamos, havia na nossa geladeira uma cesta de frutas, legumes e vegetais. Alguns talheres e panelas em cima da bancada. Uns móveis usados que podíamos pegar emprestados, um cobertor, lençóis e outras coisinhas que ela deixou pra gente “para que não chegássemos sem nada”.

Achamos uma graça e ficamos até emocionadas.

Dona Cocota, como a chamamos agora para não falar o nome dela alto, nos recebeu como se fossemos da sua família. Disse que tinha algum trauma causado por inquilinos antigos (viciados em crack, segundo ela), mas que parecíamos boa gente.

O Arranjo do prédio é (era) o seguinte: Nós no basement, Dona Cocota no 1o andar e sua filha + namorado no 2o andar.

Nos primeiros meses tudo era festa. O casal nos convidou para passearmos com eles (mas foi um saco), para churrascos no quintal (que não fomos, mas tudo bem). Dona Cocota nos chamou para festas de família na sua casa. Fomos e ficávamos sentadas num cantinho ao lado da mesa de comida, naquela situação “coloca o que pode na boca para não ter que falar nada com essa gente esquisita”. Os parentes de dona Cocota, todos imigrantes chineses, olhavam pra gente com uma certa pena dessas duas brasileiras que, certamente, deviam ser pobres pois comiam sem parar. E eles, sem ter muito o que dizer, enchiam nossos pratinhos com mais comidas. Ficamos tipo 1 horas e saímos fugidas, para nunca mais.

Todo dia dona Cocota batia em nossa porta uma ou duas vezes, trazendo comidinhas e quitutes. No começo era fofo, depois começou a irritar. Todo dia ela vinha. Nos horários mais estranhos. Um dia ela bateu pela terceira vez, era meia noite e meia. Estávamos na sala assistindo a um filme e eu falei pra D. Mari: acho que vou atender nua e descabelada, enrolada em um lençol. Depois disso DU_VI_DO que ela bata aqui de novo. D. Mari não deixou. Mas foi necessário muito menos do que isso pra ela parar de bater na nossa porta.

O necessário foi apenas a chegada do outono e, com ele, o frio.

Frio. Nosso apartamento é frio. Amigos que moram na Europa sem aquecimento no prédio vão dizer que é besteira, mas no inverno, um apto estanso a 16 graus é frio pacas. Inda mais quando vc sabe que lá fora ta, 0, -10, -26... Vc acorda é frio e tem neve na janela. Dá mais frio ainda.

Então logo começamos a pedir para que o apto fosse mais aquecido.

Um dia, Dona Cocota apareceu aqui e disse que não ia aquecer mais o prédio até o meio do inverno pois era caro demais e o Canadá é frio mesmo então nós que nos acostumássemos a ele.

Pronto. Iniciada a guerra.

Eu fiquei imediatamente puta com aquilo. Fomos pesquisar na internet e descobrimos que é nosso direito ter a casa toda aquecida a pelo menos 21 graus durante outono, inverno e meados da primavera. Ou seja: de setembro até dia 1o de junho. Um dia deixei claro que sabia da lei para a filha de Dona Cocota.

Poucos dias depois aparece um aquecedor gigante na nossa porta. E é isso. Colocamos ele pra fora pois era elétrico e nós pagamos a eletricidade por fora. Trocas de emails e conversas mais tarde, D. Cococta concordou em pagar a diferença.

Mas, depois de desgastes demais por conta do aquecimento, acabou toda a fofura. Quando avisei que meu irmão vinha de visita: ela disse que tudo bem, “ela deixava”. Quando chegou a conta de luz, ela pagou parcialmente porque disse “que não tinha mais dinheiro”. Um dia ela avisou que precisaria do sofá cama que nos havia emprestado dali a poucos dias. Saímos correndo para comprar outro,  as pressas pq meu irmão estava chegando, que foi entregue e ela só tirou o sofá dela a nossa casa meses depois, e depois de muito reclamarmos.

O clima é outro. E a gente Tb já não agüenta ouvir os passos dela lá em cima. Passinhos de elefante. Quando ela bate aqui em casa, que é raro, sempre arruma uma desculpa pra ficar bisoiando tudo.

Sempre pagamos aluguel, internet e uso da maquina de lavar em dia, mas quando podíamos o cheque do aquecimento ela sempre inventava uma desculpa.
A melhor era quando ela dizia que não estava em casa e nós ouvíamos seus passos na sala.

Bom, um belo dia encontro com sua filha aqui na frente e ela avisa que o namorado vai se mudar.  A gente até que não achou ruim, pq o cara é um tipo meio estranho, mas não esperávamos que fossemos ser incluídas nos dramas familiares que se seguiram.

Quando ela estava em casa, ele não estava. Eles se evitavam e ela foi morar com os tios enquanto ele procurava apartamento. Ele, toda oportunidade que tinha, vinha falar mal da família dela. Acabou por nos contar que a historia de que moraram pessoas drogadas no nosso apartamento era pura mentira de Dona Cocota e que nós somos suas primeiras inquilinas.

Um belo dia aparece um caminhão de mudança aqui no prédio. Eu já tinha saído. Dona Mari relata que o caminhão chega, Homens fazem a mudança do cara, em seguida chega D. Cocota filha. Depois ela sai. Depois o caminhão sai. Depois a internet cai.

Horas depois D. Mari sai de casa, descobre a porta dos fundos do prédio escancarada. Tranca. Passamos a tarde fora. Inclusive foi a mesma tarde em que houve um tiroteio dentro do EatonCenter  e nós estávamos lá, só que do lado de fora. Passamos a noite em um bar com uma amiga e eu voltei mais cedo (pra variar).

Uma e meia da manhã eu chego em casa. O prédio todo escuro e eu encontro a porta de trás ESCANCARADA.

Não sei porque eu entrei. Gritando, acendendo todas as luzes, mas entrei. Devia ter chamado a policia, mas como tava uma confusão por conta da mudança do homem, não chamei. Não havia ninguém no prédio, graças a deus. Tranquei a porta e fui dormir.

No dia seguinte continuamos sem internet. Tentamos falar com D. Cocota, mas descobrimos que ela não está. Ninguém está no prédio. Lembro que no 3o andar, pela entrada da frente, fica o aparelho da internet que podemos checar. Tentamos abrir nossa porta da frente e descobrimos que ela está atravancada por ummonte de objetos. Tentamos abrir a porta da frente do prédio por fora, está trancada de uma forma tal que não conseguimos. Ninguém responde telefone. Nem D. Cocota, nem filha, nem o ex-namorado. Fiquei puta e empurrei tanto a porta que ela abriu, quase quebrando um Buda enorme de pedra. Carreguei todas as tranqueiras para a frente da porta dos outros e vi que o aparelho da internet tava desligado. Liguei. Resolvido.

De tarde, enquanto dávamos um passeio, liga D. Cocota. A filha ouviu nosso recado e ela ligou pra saber se estava tudo bem, pois havia viajado. Contamos do episódio da porta escancarada duas vezes. Ela perde para checarmos se as portas dos aptos estão trancadas. Checamos e tudo certo. Logo depois liga o ex-namorado dizendo que tinha sido acusado de tentar provocar o mau à família deixando propositadamente a porta aberta e querendo nos convencer de que ele é uma pessoa boa e nunca faria isso...........

Deus!

Morar nesse prédio é fazer parte dessa família louca.

Pelo menos  todo mundo sumiu e, nos últimos dias, estamos vivendo na paz do senhor.... Só não sabemos até quando.