O Belo:
Eles confiam em você com mais
facilidade. Pedem menos comprovações de renda, pois estão do lado para cobrar.
Os apartamentos costumam ser bem conservados.
O Feio:
Eles enchem a porra do saco.
Pois é. Enchem mesmo.
Quando mudamos para nosso atual
endereço, um basement com janelas grandes e apartamento lindão, nos
comprometemos a pagar em dia o aluguel. Nosso contrato, como é comum aqui no
Canadá, prevê que, para sairmos do apto temos que dar 2 meses de antecedência.
Tb prevê que hospedes por mais de 24 horas devem ser comunicados à Dona (prédio
familiar), que é proibido fumar, que para ela entrar aqui dentro, deve dar 24
horas de aviso prévio, entre outras coisas.
Quando mudamos, parecia um sonho. O
apto é realmente uma fofura, espaçoso, talvez o apartamento mais legal no qual
já morei. Quando chegamos, havia na nossa geladeira uma cesta de frutas,
legumes e vegetais. Alguns talheres e panelas em cima da bancada. Uns móveis
usados que podíamos pegar emprestados, um cobertor, lençóis e outras coisinhas
que ela deixou pra gente “para que não chegássemos sem nada”.
Achamos uma graça e ficamos até
emocionadas.
Dona Cocota, como a chamamos agora
para não falar o nome dela alto, nos recebeu como se fossemos da sua família.
Disse que tinha algum trauma causado por inquilinos antigos (viciados em crack,
segundo ela), mas que parecíamos boa gente.
O Arranjo do prédio é (era) o
seguinte: Nós no basement, Dona Cocota no 1o andar e sua filha +
namorado no 2o andar.
Nos primeiros meses tudo era festa.
O casal nos convidou para passearmos com eles (mas foi um saco), para
churrascos no quintal (que não fomos, mas tudo bem). Dona Cocota nos chamou
para festas de família na sua casa. Fomos e ficávamos sentadas num cantinho ao
lado da mesa de comida, naquela situação “coloca o que pode na boca para não
ter que falar nada com essa gente esquisita”. Os parentes de dona Cocota, todos
imigrantes chineses, olhavam pra gente com uma certa pena dessas duas
brasileiras que, certamente, deviam ser pobres pois comiam sem parar. E eles,
sem ter muito o que dizer, enchiam nossos pratinhos com mais comidas. Ficamos
tipo 1 horas e saímos fugidas, para nunca mais.
Todo dia dona Cocota batia em nossa
porta uma ou duas vezes, trazendo comidinhas e quitutes. No começo era fofo,
depois começou a irritar. Todo dia ela vinha. Nos horários mais estranhos. Um
dia ela bateu pela terceira vez, era meia noite e meia. Estávamos na sala
assistindo a um filme e eu falei pra D. Mari: acho que vou atender nua e
descabelada, enrolada em um lençol. Depois disso DU_VI_DO que ela bata aqui de
novo. D. Mari não deixou. Mas foi necessário muito menos do que isso pra ela
parar de bater na nossa porta.
O necessário foi apenas a chegada do
outono e, com ele, o frio.
Frio. Nosso apartamento é frio.
Amigos que moram na Europa sem aquecimento no prédio vão dizer que é besteira,
mas no inverno, um apto estanso a 16 graus é frio pacas. Inda mais quando vc
sabe que lá fora ta, 0, -10, -26... Vc acorda é frio e tem neve na janela. Dá
mais frio ainda.
Então logo começamos a pedir para
que o apto fosse mais aquecido.
Um dia, Dona Cocota apareceu aqui e
disse que não ia aquecer mais o prédio até o meio do inverno pois era caro
demais e o Canadá é frio mesmo então nós que nos acostumássemos a ele.
Pronto. Iniciada a guerra.
Eu fiquei imediatamente puta com
aquilo. Fomos pesquisar na internet e descobrimos que é nosso direito ter a
casa toda aquecida a pelo menos 21 graus durante outono, inverno e meados da
primavera. Ou seja: de setembro até dia 1o de junho. Um dia deixei
claro que sabia da lei para a filha de Dona Cocota.
Poucos dias depois aparece um
aquecedor gigante na nossa porta. E é isso. Colocamos ele pra fora pois era
elétrico e nós pagamos a eletricidade por fora. Trocas de emails e conversas
mais tarde, D. Cococta concordou em pagar a diferença.
Mas, depois de desgastes demais por
conta do aquecimento, acabou toda a fofura. Quando avisei que meu irmão vinha
de visita: ela disse que tudo bem, “ela deixava”. Quando chegou a conta de luz,
ela pagou parcialmente porque disse “que não tinha mais dinheiro”. Um dia ela
avisou que precisaria do sofá cama que nos havia emprestado dali a poucos dias.
Saímos correndo para comprar outro,
as pressas pq meu irmão estava chegando, que foi entregue e ela só tirou
o sofá dela a nossa casa meses depois, e depois de muito reclamarmos.
O clima é outro. E a gente Tb já não
agüenta ouvir os passos dela lá em cima. Passinhos de elefante. Quando ela bate
aqui em casa, que é raro, sempre arruma uma desculpa pra ficar bisoiando tudo.
Sempre pagamos aluguel, internet e
uso da maquina de lavar em dia, mas quando podíamos o cheque do aquecimento ela
sempre inventava uma desculpa.
A melhor era quando ela dizia que
não estava em casa e nós ouvíamos seus passos na sala.
Bom, um belo dia encontro com sua
filha aqui na frente e ela avisa que o namorado vai se mudar. A gente até que não achou ruim, pq o
cara é um tipo meio estranho, mas não esperávamos que fossemos ser incluídas
nos dramas familiares que se seguiram.
Quando ela estava em casa, ele não
estava. Eles se evitavam e ela foi morar com os tios enquanto ele procurava
apartamento. Ele, toda oportunidade que tinha, vinha falar mal da família dela.
Acabou por nos contar que a historia de que moraram pessoas drogadas no nosso
apartamento era pura mentira de Dona Cocota e que nós somos suas primeiras
inquilinas.
Um belo dia aparece um caminhão de
mudança aqui no prédio. Eu já tinha saído. Dona Mari relata que o caminhão
chega, Homens fazem a mudança do cara, em seguida chega D. Cocota filha. Depois
ela sai. Depois o caminhão sai. Depois a internet cai.
Horas depois D. Mari sai de casa,
descobre a porta dos fundos do prédio escancarada. Tranca. Passamos a tarde
fora. Inclusive foi a mesma tarde em que houve um tiroteio dentro do EatonCenter e nós estávamos lá, só que do lado de fora. Passamos a noite em um bar com uma
amiga e eu voltei mais cedo (pra variar).
Uma e meia da manhã eu chego em
casa. O prédio todo escuro e eu encontro a porta de trás ESCANCARADA.
Não sei porque eu entrei. Gritando,
acendendo todas as luzes, mas entrei. Devia ter chamado a policia, mas como
tava uma confusão por conta da mudança do homem, não chamei. Não havia ninguém no
prédio, graças a deus. Tranquei a porta e fui dormir.
No dia seguinte continuamos sem
internet. Tentamos falar com D. Cocota, mas descobrimos que ela não está.
Ninguém está no prédio. Lembro que no 3o andar, pela entrada da
frente, fica o aparelho da internet que podemos checar. Tentamos abrir nossa
porta da frente e descobrimos que ela está atravancada por ummonte de objetos.
Tentamos abrir a porta da frente do prédio por fora, está trancada de uma forma
tal que não conseguimos. Ninguém responde telefone. Nem D. Cocota, nem filha,
nem o ex-namorado. Fiquei puta e empurrei tanto a porta que ela abriu, quase
quebrando um Buda enorme de pedra. Carreguei todas as tranqueiras para a frente
da porta dos outros e vi que o aparelho da internet tava desligado. Liguei.
Resolvido.
De tarde, enquanto dávamos um
passeio, liga D. Cocota. A filha ouviu nosso recado e ela ligou pra saber se
estava tudo bem, pois havia viajado. Contamos do episódio da porta escancarada
duas vezes. Ela perde para checarmos se as portas dos aptos estão trancadas.
Checamos e tudo certo. Logo depois liga o ex-namorado dizendo que tinha sido
acusado de tentar provocar o mau à família deixando propositadamente a porta
aberta e querendo nos convencer de que ele é uma pessoa boa e nunca faria
isso...........
Deus!
Morar nesse prédio é fazer parte
dessa família louca.
Pelo menos todo mundo sumiu e, nos últimos dias, estamos vivendo na paz
do senhor.... Só não sabemos até quando.
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