04/04/2015

Canadá idealizado

Quando estou no Brasil vira e mexe pessoas me felicitam por morar no Canadá: "lá não tem corrupção", "o sistema de saúde funciona", "lá não tem pobreza", "o povo é bem educado", "lá o povo é mais aberto" e por aí vai.

Eu gosto de comparar o Brasil com o Canadá para ilustrar meus pontos de vista esquerdistas e liberais - se aqui tem algum leitor que não me conhece, saiba que sou de esquerda, liberal, bissexual, feminista e pra frentex e que isso molda todo o meu discurso sobre qualquer coisa. "Esteje" avisado.


Tenho verdadeiro gosto em falar das coisas que funcionam aqui. Tipo: gosto de me sentir segura na rua, de não ser tratada como um pedaço de carne. Gosto de poder tratar minha namorada normalmente, em qualquer espaço. Fico feliz de saber que aqui a maioria dos partos é natural e que toda mulher tem o direito ao aborto. E, pra irritar conservadores, gosto de falar dos seguros governamentais daqui - pois que, quando chegamos, usamos por um ano o Bolsa Família canadense. Esse Bolsa Família - que tem tempo indeterminado e é maior quanto maior for a familía, vejam vocês, fornecia um pouco mais de mil dólares mensais para a nossa, além granas extras pra transporte, prática de esportes, compra de roupas e de mobilia/eletrodomésticos para casa. Essa grana nos permitiu nos estabelecer em Toronto e começar nossa vida. Eu gosto de me usar como exemplo disso. Especialmente para pessoas próximas que se referem a pessoas que usam o Bolsa Família como vagabundas.

Apesar das muitas diferenças, cada vez mais vejo muitas semelhanças. O ser humano é ser humano em qualquer parte.


Uma coisa que o canadense tem de muito parecido com o brasileiro é o racismo dissimulado. Ok, o racismo aqui é diferente - e, vale a pena saber, a dissimulação também - mas não menos presente.

No Brasil o racismo é voltado principalmente contra a população negra e indígena - em certos lugares do país. Também poderíamos falar de um racismo contra alguns imigrantes - imigrantes não-brancos, porque os brancos são mais que bem vindos. De qualquer forma, quando falamos de racismo no Brasil normalmente estamos falando de pessoas negras, pardas ou indígenas.



Toronto é a cidade mais multicultural da América. Aqui se falam mais de 140 idiomas (português é a 5a língua, além de inglês e francês, mais falada da cidade) e as minorias visíveis estão por toda parte. Metade da população da cidade é composta por pessoas nascidas fora do país. Aqui, além dos meus muitos amigos brasileiros e alguns canadenses, convivo ou tenho amizade com chineses, portugueses, filipinos, mexicanos, americanos, ingleses, haitianos, persas, russos, indianos, albaneses, gregos, israelenses, vietnamitas, jamaicanos, argelinos, venezuelanos e gente sei lá mais de onde.

As culturas, as religiões, as línguas, os cheiros, as comidas, o jeito de se expressar... Toronto é um caldeirão cultural que, por vezes, é incrível e, por vezes, nefasto. 

Aqui de repente, deixei de ser branca e virei latina. Mas... sou latina como os mexicanos ou guatemaltecos ou bolivianos são latinos? Me pergunto muito isso porque não sou visivelmente latina. Até eu abrir a boca, posso perfeitamente ser canadense. E mesmo assim, quando falo com meu sotacão, posso ser quebecois. Então mantenho certos privilégios brancos e não consigo me assumir totalmente "latina".Tenho me referido a mim mesma como white latina, que eu achei que me define bem.



Mas quando vêem meu nome impresso.... daí é óbvio que não sou daqui. Aliás, meu nome, que tem 4 partes, primeiro nome, sobrenome da mãe, conectivo, sobrenome do pai.... meu nome é praticamente incompreensível por aqui. E pretendo mudá-lo quando já estiver com a cidadania resolvida, porque essa confusão dá trabalho.

Muitos canadenses odeiam as minorias visíveis, embora a maioria negue isso sempre. Os que mais ouço falar mal são os indígenas, negros, chineses, portugueses e indianos. E o mais engraçado é que os imigrantes também têm problemas uns com os outros.

Um amigo querido, brasileiro, trabalha na rampa da Delta Airlines, ou seja, é um daqueles caras que joga tua mala pra dentro do avião e pra fora do avião. Ele adora o trabalho dele que, embora pague pouco, o permite viajar de graça para qualquer lugar - e ele e a esposa aproveitam isso ao máximo. De qualquer forma, esse meu amigo, fazendo graça com os companheiros de rampa, mandou essa:

- O melhor é que todo mundo aqui é imigrante, todo mundo aqui sofre discriminação, mas todo mundo aqui se odeia.

Todos riem.

Pois é.

Bom, esse post foi introdutório ao próximo.
Fim.



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